QUE PAÍS É ESSE?
(UM NOVO EPITÁFIO PARA RENATO RUSSO BRASILEIRO)
Roman Lopes
Monteiro Lobato disse certa vez:
“Um país é feito de homens e livros”. Somos quase duzentos milhões de homens, o
que nos possibilita ser um grande país. Quanto aos livros, também os temos aos
montes. Fica difícil precisar quantas editoras existem no país e quais os
números exatos da produção delas. Existem, além disso, as chamadas produções
independentes. O que se pode afirmar com certeza é que esse é um mercado que
movimenta uma enorme quantia de dinheiro. Portanto, temos todos os elementos
para sermos um grande país. Por que isso não acontece?
O nobre Monteiro, como todo bom
conservador, dá ênfase aos elementos superficiais da questão, deixando os
elementos essenciais fora do questionamento. Um país não é feito de homens e
livros! O importante é a relação que existe entre esses homens e esses livros.
Para que produzimos milhares e milhares de livros se a maioria deles vai parar
nas mãos de poucas pessoas privilegiadas? E mesmo quando eles vão parar nas
mãos dos não privilegiados (que são a maioria da população), não há o menor
preparo para que esse material seja aproveitado em sua plenitude. Alguém pode
questionar essa posição, alegando que existem os livros didáticos, que são consumidos
aos montes pelas escolas. Não podemos nem iniciar uma discussão nesse sentido
porque isso seria, como diríamos na linguagem popular, chutar cachorro morto.
Livros didáticos não servem para absolutamente nada, a menos que consideremos
enriquecer donos de editoras e sistemas de ensino uma função. E nisso eles são
bem competentes!
Diante do exposto, parece claro
que temos um problema! O Brasil não lê! Alguns idólatras das novas ferramentas
tecnológicas podem dizer que eu estou sendo conservador, que não estou
enxergando as mudanças, que existem outras formas de leitura, que todos
assistem à televisão, que temos mais de cem milhões de celulares, que o acesso
à internet é cada vez maior, que isso, que aquilo...
Obviamente as novas tecnologias
transformaram aquilo que podemos chamar de processo de leitura. A infinidade de
suportes textuais que a sociedade moderna produziu criou uma grande variedade
de gêneros textuais. Hoje em dia podemos ler em qualquer lugar. Somos
bombardeados a todo o momento com textos dos mais diversos. Assistimos à
televisão, acessamos a internet, vamos ao cinema, ouvimos músicas em rádios e
MP3, 4, 5, 6, 7... Enfim, temos uma infinidade de suportes e gêneros textuais à
nossa disposição. Como é possível, então, que um Zé Ninguém como o pobre
missivista dessas palavras, venha dizer que no Brasil as pessoas não lêem? Como
ele pode questionar que nós temos acesso a vários gêneros textuais o tempo
todo, o que faz de nós leitores... Mas espere um pouco! Quem somos nós, cara
pálida?
Ainda existe no Brasil muita
gente que não tem acesso a nada disso. Agora mesmo, enquanto esse privilegiado
Zé Ninguém entra numa discussão consigo mesmo diante de seu computador, sentado
em sua bela escrivaninha, muitas pessoas por esse país estão lutando arduamente
pela sobrevivência, muitas vezes sem terem o que comer. Como essas pessoas
podem pensar em leitura? Além disso, o questionamento não está relacionado à quantidade de
textos à nossa disposição, pois se assim o fosse, somente os livros já seriam
suficientes para me desmentir. Existem, realmente, muitas possibilidades de
leituras. Porém, como é a qualidade dessas leituras? O que nós estamos lendo
nesse país?
Essa é uma discussão que
demandaria muito tempo, muitas missivas e muitas laudas, coisas que
infelizmente eu não possuo no momento. O que parece importante salientar é que,
apesar do aumento das possibilidades de leitura através de tudo o que já foi
colocado, o Brasil continua sendo um país de não leitores ou, quando muito, de
leitores funcionais. Isso porque o espaço onde todos esses instrumentos
textuais poderiam ser trabalhados plenamente, desenvolvendo um senso de leitura
verdadeiro, não atua corretamente. Estou falando da escola. Como os diversos
gêneros textuais são trabalhados nas escolas? Os professores estão capacitados
a lidar com essa variedade de gêneros e suportes? Ou a escola apenas reproduz a
situação social maior, que é a de promover uma superficialização da leitura,
seja em que gênero for, através da imposição de modelos considerados corretos?
A resposta parece clara. Professores não sabem ler! Consequentemente seus
alunos não aprenderão a ler. E isso é um problema gravíssimo, pois o espaço que
deveria ser o centro de transformação social acaba sendo, na verdade, um espaço
de desagregação social... E quanto à escrita?
Um país que não sabe ler, também
não sabe escrever. Os mesmos erros cometidos pelos professores no que diz
respeito ao trabalho de leitura são cometidos quando se trabalha a produção
textual. Como pode um professor que não lê ensinar seus alunos a lerem? Da
mesma maneira, como pode um professor que não escreve ensinar seus alunos a
escreverem? Os professores de produção textual experimentam a diversidade de
gêneros existentes para que possam ser capazes de trabalhá-los com seus alunos?
Mais uma vez a resposta parece clara.
Portanto, meu nobre conservador
Monteiro, um país não é feito de homens e livros! Um país é feito de homens que
se educam mutuamente, sem nenhum tipo de hierarquização do conhecimento, sem
nenhuma padronização imposta a quem quer que seja. Caso você ainda estivesse
vivo, com certeza estaria escrevendo bem como sempre escreveu. Porém, é quase
certo que estaria escrevendo uma novela na Rede Globo, ao lado de Glória Perez
e Manoel Carlos. Ou então estaria representando o país em eventos literários
internacionais ao lado de Paulo Coelho. Mas não se preocupe! Você continuaria a
ser estudado nas escolas. Até os nomes citados o são!